12 de dezembro de 2024

Foto: Cleyton Vilarino/Ed. Globo

É à beira do mar de Itacaré, que a ecologista Nara Lina Oliveira e o turismólogo João Paulo Coutinho decidiram começar a cultivar um alimento pouco comum na culinária nordestina: cogumelos. A excentricidade da produção não se dá apenas por conta dos costumes na região, onde o consumo ainda é pouco disseminado e a baixa oferta torna os preços até quatro vezes mais caros do que no Sudeste do país, mas também pelo clima e modo de produção – em cascas de cacau e pupunha descartadas por agricultores locais.

“Quando eu fui para China para estudar durante seis meses percebi que Hong Kong era tão quente quanto aqui e produzia muito cogumelo. Então não podia ser possível que aqui onde a gente mora não fosse possível produzir também”, conta Nara. O sonho acabou ganhando força depois que o casal entrou em contato com um projeto da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) para combate à vassoura-de-bruxa, fungo que dizimou a produção de cacau no sul da Bahia nos anos 90 e que de comestível não tem nada.

“O controle da vassoura-de-bruxa sempre teve um gargalo na Bahia, que é a poda das árvores”, explica o pesquisador da Ceplac, Antônio Niella. Segundo ele, produtores menores ainda costumam amontoar as cascas do cacau, o equivalente a 80% do fruto colhido, favorecendo o surgimento de focos de doenças nas plantações. “O nosso objetivo inicial era estimular o controle efetivo porque o manejo integrado existe entre aqueles produtores que têm condições de fazer, mas muitos ainda não conseguem porque é uma prática que não gera retorno financeiro imediato”.

Por que o cacau?

Em parceria com a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, Niella tem buscado encontrar usos para as cascas e folhas descartadas na produção de cacau desde 2017, quando descobriu que, mesmo nos casos em que há contaminação por fungos nocivos à produção cacaueira, cogumelos comestíveis como o shimeji e o shitake conseguem se desenvolver. “Trabalhando nessa questão, a gente concluiu: se conseguimos produzir o cogumelo nas folhas infectadas com vassoura-de-bruxa, por que não tentar na casca saudável?”

Os resultados foram melhores que o esperado. “A gente observou que, como a película do cacau tem uma maior concentração de nitrogênio, que é um dos principais nutrientes necessários para o desenvolvimento do cogumelo junto com o carbono, ela enriquece substratos mais pobres nesse nutriente, como a pupunha”, explica a pesquisadora da UESC Geni Alves Casteliano.

Associando diferentes combinações da casca do cacau com outros subprodutos da agricultura regional, os pesquisadores conseguiram dobrar a produtividade em testes feitos em laboratório e passaram a buscar grupos de produtores com condições favoráveis para o cultivo de cogumelos: umidade e temperaturas mais amenas.

Localizada entre duas bacias hidrográficas, a comunidade de Rio de Engenho, em Ilhéus, foi a escolhida para receber cursos e orientação técnica para produzir cogumelos comestíveis com o apoio da Ceplac. “Quando eu cheguei na Associação de Moradores no ano passado e vi os cogumelos frutificando, naquele momento eu me emocionei”, conta a pesquisadora, que também estuda o possível uso alimentar de cogumelos silvestres encontrados na região.

“Esse trabalho vem muito bem a calhar para a agricultura familiar porque, além de estar eliminando um foco de doença na roça de cacau, também está fazendo da casca de cacau um subproduto com valor agregado e que vai gerar retorno para o produtor”, destaca Vilson Camara, presidente da Associação de Moradores e Agricultores do Rio de Engenho e Adjacências (Amarea).

Potencial econômico

Considerando a produção anual de cacau da Bahia e do Pará, dois maiores produtores do país, com mais de 230 mil toneladas colhidas anualmente, a Ceplac estima que seria possível alcançar uma produção de mais de 80 mil toneladas de cogumelos aproveitando os resíduos gerados pela atividade cacaueira dos dois Estados. Mesmo com baixos índices de produtividade observados entre os produtores da região, de até 5%. O volume ultrapassa a produção nacional atual, estimada em pouco mais de 12 mil toneladas pela Associação Nacional de Produtores e Cogumelos (ANPC).

“Uma vez produzido o cogumelo, a gente tem mercado pra vender”, afirma o presidente da Amarea, ao relatar que, enquanto agricultor familiar, já chegou a receber preços até 60% acima do praticado no mercado. “Tem uma lista de pessoas querendo cogumelos. Já está tudo certo e se a gente começar a produzir pra valer, tem mercado”, concorda Nara, cuja produção, a quase 50 quilômetros de distância de Rio de Engenho, ainda é voltada para consumo próprio.

“O nosso foco é diferente, a gente não tem uma produção em larga escala, mas é um lugar que esta rolando muito isso, uma produção própria, para subsistência em ecovilas e comunidades”, lembra Coutinho. Após os resultados obtidos com a própria produção, o casal já formou outras 200 pessoas interessadas em investir no cultivo de cogumelos e segue ministrando cursos na região.

“Se você for olhar as condições em que nós conseguimos produzir o cogumelo, sem muita estrutura, você vai ver que, com um pouquinho de investimento e boa vontade, é possível produzir o ano inteiro”, conclui Camara.

Informações do Globo Rural

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