BRASÍLIA — Menos de um mês depois de o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante uma formatura do Instituto Rio Branco, criticar João Cabral de Melo Neto, escolhido patrono da turma, o embaixador da China, Yang Wanming, usou o trecho de uma obra do escritor e diplomata para definir a política externa de seu país.

— Como disse o poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto, “um galo sozinho não tece uma manhã”. Somente quando todos os países, grandes e pequenos, ricos e pobres, puderem respeitar uns aos outros, resolver suas disputas pelo diálogo e diminuir suas divergências com negociações, é que a Humanidade pode esperar um amanhã melhor — afirmou Wanming.

Ao fazer um discurso na solenidade de formatura do Rio Branco, Ernesto Araújo afirmou que o escritor tinha uma “grande sensibilidade para o sofrimento do povo brasileiro”. Porém, disse que, talvez, tenha ido para o “lado errado do marxismo e da esquerda”.

— Sua utopia, esse comunismo brasileiro de que alguns ainda estão falando até hoje, consistia em substituir esse Brasil sofrido, pobre e problemático por um não-Brasil, um Brasil sem patriotismo, sujeito naquela época, anos 50, 60, aos desígnios de Moscou, e hoje, nesse novo conceito de comunismo brasileiro, sujeito ao desígnios sabe-se lá de quem — afirmou o chanceler na época.

Mas, para o embaixador chinês, João Cabral traduziu a proposta de “comunidade com o futuro compartilhado”. Nesse cenário, todos os países e povos têm perspectivas estreitamente interligadas e interdependentes.

O ambiente diplomático entre Brasil e China está um tom acima do normal. Pressionado pelos Estados Unidos, o governo brasileiro poderá banir a chinesa Huawei da frequência 5G de telefonia celular. O motivo alegado pelos americanos é que a empresa repassaria informações estratégicas ao Partido Comunista chinês, o que a empresa nega.

Além disso, no início desta semana, o presidente Jair Bolsonaro usou a suspensão dos testes da vacina chinesa CoronaVac como arma na disputa política com o governador de São Paulo, João Doria. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos a tomar. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, publicou Bolsonaro em uma rede social.

Em sua palestra, Wanming disse que o novo modelo de relações internacionais rompe com o paradigma tradicional em que os países mais fortes buscam hegemonia ou se envolvem em um jogo de soma zero. E deixa para trás a mentalidade da Guerra Fria, que divide o mundo entre amigos e inimigos, aliados e antagonistas.

— Vamos abrir um novo caminho de interação entre países ditado por diálogos em vez de confrontos, por parcerias em vez de alianças. Não temos a intenção de desafiar ou substituir ninguém, nem mudar o mundo, exportar modelos institucionais ou engajar-nos em confrontos ideológicos.

Texto de O Globo

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