O Ministério da Infraestrutura anunciou a intenção de deflagrar em março a liquidação da Valec, companhia estatal criada há 48 anos com foco no planejamento e na administração de engenharia de ferrovias.

Seria a primeira iniciativa do governo Jair Bolsonaro no processo de desestatização, com reflexos diretos nas contas do setor público.

A Valec é um caso exemplar de estatal com histórico de manipulação política, corrupção e desperdícios. Hoje consome cerca de R$ 1,3 milhão a cada dia útil. Gasta R$ 300 milhões por ano para manter abertas as portas dos seus escritórios, onde trabalham 800 pessoas.

Ela possui um acervo de obras caras e inacabadas, periodicamente “reinauguradas” a custos crescentes. Um desses projetos é o da ferrovia planejada para dar ao agronegócio do Centro-Oeste uma saída atlântica no litoral sul da Bahia.

São 1.527 quilômetros desde os campos de Figueirópolis, no Tocantins, até o mar em Ilhéus. Essa integração foi celebrada por Lula na campanha de reeleição, em 2006, e festejada por Dilma, nas temporadas eleitorais de 2010 e 2014. A ferrovia mal saiu do papel, mas nela já foram dissipados mais de R$ 4 bilhões em dinheiro público.

Nesse empreendimento tem-se um estuário das singularidades que caracterizam o gigantismo do Estado na economia. O plano da estrada de ferro estabelece a ligação de uma vila de cinco mil habitantes no sul do Tocantins a lugar nenhum.

Literalmente, pois “não prevê o exato ponto final de destino” do trem — como registrou o Tribunal de Contas da União, depois de analisar a documentação produzida durante uma década pelo antigo Ministério dos Transportes e pela Valec, sob supervisão da Agência Nacional de Transportes Terrestres.

Ao mesmo tempo, o governo da Bahia iniciou obras orçadas em R$ 3 bilhões para um complexo portuário em Ilhéus “sem o devido acesso ferroviário”. Mais de uma década e meia depois, materiais comprados se deterioram, como é o caso das milhares de toneladas de trilhos importadas da China e da Espanha.

A Valec é consequência de um dos mitos da política nacional — o da “razão estratégica” de Estado, que fomenta a proliferação de estatais desde a ditadura Vargas. Não há justificativa racional para que um núcleo burocrático ferroviário custe ao Tesouro, anualmente, 76% mais do que uma operadora de transporte sobre trilhos, como é o caso da estatal Trensurb, de Porto Alegre, que serve a 200 mil pessoas por dia útil.

Na perpetuação desses anacronismos está a gênese das maracutaias expostas na Lava-Jato e nas perdas bilionárias de empresas como Petrobras e Caixa Econômica Federal.

A retomada do programa de desestatização é uma boa sinalização. A Valec é um símbolo daquilo que o Estado brasileiro não precisa, não pode e não deve continuar a fazer.

Editorial do O Globo

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