No dia 30 de agosto passado manchas de petróleo chegaram ao litoral do Estado de Pernambuco, causando preocupação geral. A ocorrência chegou à imprensa internacional através de uma expressiva foto de um menino “saindo do mar repleto de óleo na praia de Itapuama, Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife”.[i] De lá para cá o fato foi se agravando, enorme quantidade de petróleo atingiu oito estados e no dia 25 deste mês chegou em Ilhéus, sul do Estado da Bahia.[ii]
O fato é verdadeira tragédia, pois ocasiona danos ambientais de enorme gravidade, sociais porque pescadores terão reduzida sua capacidade de exercerem sua profissão e econômicos, estes traduzidos no cancelamento de viagens turísticas à região, cujas praias, pela beleza que possuem, atraem turistas de todo o Brasil. São danos de difícil avaliação neste momento.
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As medidas paliativas para minimizar o desastre e a tentativa de descobrir a autoria, correm por conta da Marinha de Guerra. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o Almirante Ilques Barbosa Júnior relatou que “o culpado não foi identificado, mas está entre os navios que circularam em alto-mar, na faixa de 300 a 500 quilômetros na costa leste de Sergipe”.[iii]
De concreto sabe-se apenas que, segundo pesquisas da Universidade Federal da Bahia, o petróleo origina-se da Venezuela.[iv] De elogiável, cita-se o esforço de todos os que atuam no recolhimento do material que chega às praias, entre eles muitos voluntários. De inteligente, as tentativas em Pernambuco e na Bahia de aproveitamento dos resíduos para fazer cimento e produzir carvão.[v]
Mas, quais os resultados concretos esperados? A resposta é simples: redução máxima dos danos causados e a apuração de responsabilidades, com punição dos autores.
Críticas e declarações genéricas, ações judiciais com eventual condenação da União por isto ou aquilo, politização da trágica ocorrência, em nada auxiliarão.
Na verdade, o desastre ambiental ocorrido tem uma vítima direta que é o Brasil, porém atinge toda a humanidade. Apesar disto, no âmbito internacional paira um silêncio eloquente. Talvez este caso possa servir para uma nova postura do Tribunal Penal Internacional, o TPI.
Sobre esta importante Corte Internacional, registrei nesta coluna, no ano de 2010,[vi] que o “seu marco inicial foi em 17 de julho de 1998, quando 120 Estados adotaram o Estatuto de Roma, como base jurídica para o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional permanente. O Estatuto de Roma entrou em vigor em 01 de julho de 2002, após a ratificação por 60 países. O TPI é um tribunal de última instância, que tem por objetivo julgar pessoas acusadas dos crimes mais graves e de preocupação internacional, ou seja, o genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. É formado por dezoito juízes, dos quais três compõem a presidência do tribunal. Atualmente, 114 países são Estados Partes do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.”
No preâmbulo o Estatuto de Roma, onde se deliberou pela criação do TPI, afirma-se que “os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional”.[vii]
No art. 7º do Estatuto, estabelece-se as ações que podem ser submetidas à jurisdição do TPI. Entre elas, o art. 7º, alínea “k”, menciona: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.”
No caso da poluição marítima em análise, o primeiro passo seria descobrir se a ação foi criminosa, hipótese esta que não se descarta. Se chegar-se a algum resultado, poderiam os responsáveis por ela serem levados a julgamento na Corte Internacional?
Do ponto de vista da adequação dos fatos à figura típica da alínea ’k”, seria necessário que a poluição tivesse sido causada intencionalmente. Em caso de mera culpa (imprudência, negligência ou imperícia), a competência do TPI seria de pronto descartada.
Supondo-se que tenha sido doloso, seria necessário analisar a competência jurisdicional do Brasil. É que os artigos 6º e 7º do Código Penal, que tratam da extraterritorialidade da aplicação da lei brasileira, não apontam para hipótese como esta, em que o navio causador do dano estava em águas internacionais.
Além disto, entre os dispositivos do Estatuto de Roma, está o art. 17, 2, “b”, que admite o acesso à Corte no caso de “Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;”
No caso brasileiro, a demora ainda não teria existido, mas a sua presunção deixa de ser apenas um risco quando se pensa no processamento de uma ação penal no Brasil que, além das dificuldades na apuração das provas, , tramitaria em quatro instâncias até chegar ao trânsito em julgado, tornando pouco efetiva a possibilidade de execução de eventual condenação em tempo razoável.
Se assim é, poderia a Corte Internacional assumir nova postura, enfrentando a complexa questão de avançar na sua competência. Refiro-me à possibilidade de que, crimes contra a humanidade, cujos efeitos se revelem nocivos diretamente a país signatário do Tratado de Roma, pudessem por ela serem processados e julgados.
A relevância da questão ambiental pode ser decisiva neste grande passo. Talvez esta tragédia possa ser a justificativa da grande virada. A pensar.
https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/10/25/satelite-aeronave-matematica-e-sonares-entenda-as-acoes-e-os-desafios-na-busca-da-origem-das-manchas-de-oleo-no-nordeste.ghtml
i Ana Carolina Mendonça: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2019/10/24/interna_nacional,1095569/apos-foto-de-menino-coberto-de-oleo-circular-o-mundo-especialistas-al.shtml.
ii https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/10/25/manchas-de-oleo-chegam-a-ilheus-no-litoral-sul-da-bahia.htm
iii O Estado de São Paulo, 23/10/2019, A18.
iv https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/10/10/analise-da-ufba-aponta-que-oleo-que-atinge-litoral-do-ne-e-da-venezuela.ghtml
v O Estado de São Paulo, 25/10/2019, A18.
vi Os Tribunais Internacionais e a Justiça Doméstica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-nov-28/segunda-leitura-tribunais-internacionais-justica-domestica.
vii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm.
Vladimir Passos de Freitas é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2019, 10h20
Franklin Deluzio é graduado em Filosofia (UESC), possui graduação incompleta em Física pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), como também graduação incompleta em Licenciatura Interdisciplinar pela (UFSB), é Especialista em Gestão Pública Municipal (UESC), Conselheiro de Saúde, Fiscal do Sistema E-TCM, Design Digital Júnior, Design Editorial Júnior, Servidor Municipal de Ilhéus/BA e estrategista em Geomarketing Eleitoral.
Áreas de interesse: Gestão e Desenvolvimento Urbano, Políticas Públicas, Plano Diretor, Administração de Recursos, Gestão Logística, Filosofia da Educação, Existencialismo, Ética e Discurso, Filosofia da Ciência, Meteorologia, Poder, Verdade e Sociedade em Foucault, Filosofia Jurídica e autores como Heidegger, Bauman, Habermas, Foucault, Derrida, Deleuze, Sofistas, Nietzsche, Sartre, Hannah Arendt, Freud, Carlos Roberto Gonçalves e Giovanni Reale.