6 de fevereiro de 2025

Coisa raríssima em Ilhéus é ter a possibilidade de pleitear algum recurso público para qualquer tipo de atividade cultural. Entra governo e sai governo, mudam suas equipes e pastas e não muda praticamente nada! A inércia da questão cultural permanece tão rígida e sem vida quanto a estátua em frente a casa Jorge Amado. Quem quiser que se aproxime e tire seu retrato! A estátua de Jorge estará sempre ali, simpática e mórbida!
Reconhecemos que ao menos agora temos aberta uma seleção pública de propostas culturais, por meio do Edital Cultura Livre da SECULT. Em meio à caótica transição histórica que atravessamos mundo a fora – que reverbera na realidade de milhares de pessoas que estão à margem desse sistema de “des-privilégios” – qualquer MIGALHA ofertada a quem está habituado a não esperar nada do setor público, tende a soar como a última Coca-Cola do deserto.

O Edital Cultura Livre plagia o Edital Calendário das Artes da Fundação Cultural do Estado da Bahia, FUNCEB. No entanto, enquanto a FUNCEB reconhece enquanto mínimo de recurso, o valor líquido de R$10.400, para que uma ação de pequeno porte tenha algum impacto na vida social de qualquer município baiano, a SECULT/Ilhéus copia e cola os termos do edital, no entanto, propõe como prêmio o valor líquido de R$2.000, com previsão de contemplar 45 projetos. Engano imaginar que os serviços que contratamos localmente para executar projetos socioculturais custam mais baratos. Ou que quem produz cultura em nível local, vive de fontes de renda de atividades paralelas e tem nas práticas culturais apenas uma complementação de renda ou hobby (passatempo). Quais outros possíveis modelos de Política Pública para a Cultura atenderiam as diferentes expectativas e perfis de gestores, produtores, artistas ou grupos culturais localmente?

A primeira justificativa apresentada é que a realidade da FUNCEB não é a mesma da SECULT/Ilheús, em termos de disponibilidade de recursos públicos para executar uma política. Sendo assim, mais uma razão para conceber uma política com termos específicos para atender a uma realidade local também específica. Bom considerar que em nível municipal foi aprovada a lei 3.638, de 20/12/12, que dentre outros termos, prevê que 0,5% do Orçamento Público Municipal anual (arrecadado via cobrança do IPTU e ISSQN) deve ser destinado ao Fundo Municipal de Cultura. No entanto, essa lei caminha para o aniversário de 06 anos, e NUNCA, nenhum centavo do Orçamento Público Municipal foi destinado ao Fundo Municipal de Cultura. Logo, o problema NÃO É A INEXISTÊNCIA DE RECURSOS PÚBLICOS PARA A CULTURA. O problema é a INEXISTÊNCIA DE VONTADE POLÍTICA, para fazer com que a Lei Municipal de Cultura seja APLICADA, por exemplo. Consideramos que a “realidade local” assume tais contornos, com a conivência da SECULT, da sociedade e dos grupos artístico-culturais (não organizados enquanto setor que comunga de interesses comuns, e quase sempre em disputa por pequenos espaços/poderes).

O lado subliminar da mensagem de se dividir o pouco que há com muitos, pelos termos do edital, “o premiado autoriza à SECULT e/ou entidades parceiras a difundirem e/ou publicarem imagens ou produtos resultantes da proposta premiada” (item 9.2), o que em outras palavras significa que, ao contemplar determinada proposta cultural, a SECULT se torna co-provedora dessa iniciativa; além de o proponente ter a obrigação de incluir em todo material de divulgação e produtos resultantes do projeto, a logomarca da Secretaria Municipal de Cultura e da Prefeitura Municipal de Ilhéus, previamente aprovada pela SECULT” (Declarações de Atendimento ao Edital. Formulário de inscrição). O que pode significar que o “trabalho duro” fica a cargo dos gestores e grupos culturais, mas os louros vão “gratuitamente” para o Poder Público Municipal. Por que gratuitamente? Porque além da concepção e tradução de suas ideias, também compete aos selecionados arcar com os custos das ações previstas em seus projetos. O que é uma praxe do setor público ao apoiar financeiramente determinada proposta cultural, mas NÃO por valores tão irrisórios e fora da realidade do mercado cultural enquanto segmento profissional.

Diante desses fatos, cabe à sociedade local como um todo reconhecer e exigir que a cultura não seja tratada como um favor, mas uma obrigação do Estado por se tratar de um Direito fundamental. Cabe aos produtores, gestores, artistas e grupos culturais, interpretar esses fatos, e convocar a SECULT para um diálogo mais qualificado. Que pode se dar através e ALÉM do Conselho Municipal de Cultura. Há pontos de encontros possíveis entre as expectativas do setor cultural e do poder público municipal? Quais as perspectivas de dinamização do Fundo Municipal de Cultura? O valor agora disponibilizado via repasse do governo do Estado pode ser complementado com o valor previsto na Lei municipal de Cultura, para se conceber uma política melhor estruturada? Conviria à SECULT, “ampliar, prorrogar, revogar ou anular o presente edital” (item 9.4) com vistas a atender aos diferentes perfis de expectativas do público ao qual se destina? Não havendo participação da sociedade, não existe Política Pública Cultural possível. São milhares os grupos culturais locais, distribuídos em grupos de Capoeira, Hip Hop, Terreiros de Candomblé, comunidade indígena, artistas e grupos independentes nas mais variadas linguagens, quer antigas ou novas. E o lado nefasto de nossa omissão, é a consciência de que também são milhares @s jovens que, nas periferias desse mundo cão, diariamente são aliciad@s para práticas criminosas, de exploração, violência e Morte! “Me diz quanto vale”.

GuELA (Grupo Livre e Apartidário de observação aos Direitos Culturais)

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